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Fátima – Parte 1: A APARIÇÃO DO ANJO DA PAZ

1916. A guerra, desde dois anos, consumia a resistência de todos os contendores. Em Portugal, a desordem política dos últimos decênios da Monarquia alastrara com a implantação da República, e o novo regime, logo à nascença, afirmara-se nitidamente antirreligioso. Já em 1910, o Dr. Afonso Costa, ministro da Justiça, declarara que em duas gerações acabaria a Religião em Portugal, e o Dr. Manuel de Arriaga, futuro presidente da República, nomeado apressadamente reitor da Universidade de Coimbra, proclamou, na Sala dos Capelos, perante os professores despojados de suas insígnias, que continuariam a obra sem Deus nem rei.

Logo, a 8 de outubro, três dias depois da revolução republicana, entravam de novo em vigor antigas leis do Marquês de Pombal que expulsavam a Companhia de Jesus e a de 1834, que extinguira os conventos, não podendo os religiosos viver em comunidade. Os padres jesuítas foram presos, enviados para o Forte de Caxias, onde o próprio ministro da Justiça os interrogava, e finalmente expulsos do país em condições ignominiosas. O Bispo do Porto, D Antonio Barroso, missionário excelso, foi exilado. Por todo o país se sucederam as perseguições à hierarquia e aos católicos, com a complacência dos responsáveis, sob a égide da Franco-Maçonaria, da Carbonária e da tristemente célebre Formiga Branca, corte arruaceira do afonsismo, aquela que mais havia de minar o edifício republicano, como escreveu o almirante Machado dos Santos, um dos principais fundadores da República, Ele próprio, no auge da desordem política do regime, viria a ser assassinado, na noite vermelha de 19 de outubro de 1921, com outros dois chefes do 5 de outubro – Antonio Granjo (presidente do Conselho) e Carlos da Maia.

Mas enquanto o país político se afundava e perdia, o país real conseguia, num ou noutro local mais recôndito, subsistir.

Os ecos do drama que Portugal vivia quase não atingiam os pequenos povoados perdidos nos montes ou no fundo dos vales, como este de Aljustrel, pertencente à freguesia de Fátima, do concelho de Vila Nova de Ourém, lugarejo encravado nos contrafortes da serra de Aire.

Em Aljustrel, as casas e os seus moradores eram simples e modestos. Pastorear rebanhos e agricultar as terras constituíam a ocupação exclusiva daquela gente. ‘Vivia-se na terra a fé simples dos Mandamentos e a Igreja alevantava-se como coração e o centro de toda a povoação’ (Pe. Fernando Leite)

Ali, em duas casas térreas, separadas uma da outra por pouca dezena de metros, viviam duas famílias ligadas por estreito parentesco. Numa casa (imagem abaixo) habitava Antonio dos Santos, com sua mulher, Maria Rosa, e seis filhos, um rapaz e cinco meninas.



Na outra, Manuel Pedro Marto, casado com Olímpia de Jesus, irmã de Antonio dos Santos. A senhora Olímpia era já viúva, com dois filhos, quando casou com o ‘Ti Marto’, em 1897; dele teve mais sete filhos.



Ambas as famílias, dentro da modéstia dos costumes locais, eram suficientemente remediadas, vivendo do cultivo de campos próprios e dos rebanhos que apascentavam.


Lúcia, a filha mais nova do casal Santos, nascida a 22 de março de 1907, e seus primos Francisco (nascido a 11 de junho de 1908) e Jacinta (nascida a 11 de março de 1910), também os mais novos da família Marto, eram os guardadores dos rebanhos paternos.


As três crianças costumavam apascentar as suas ovelhas em propriedades da família. Um dia, pela primavera de 1916, os três pastorzinhos tinham levado o seu rebanho de ovelhas para o pasto perto da aldeia de Fátima. Tiveram que se abrigar de uma chuva passageira, numa pequena caverna a que chamavam ‘loca do Cabeço’.  


Loca do Cabeço.


Transcrevemos em seguida as palavras exatas de Lúcia sobre as três aparições do Anjo, estando presentes apenas ela e os seus dois priminhos, Francisco e Jacinta.

 

 

1ª Aparição do Anjo.

 

Conta a Irmã Lucia.

‘As datas não posso precisá-las com certeza, porque, nesse tempo, eu não sabia ainda contar os anos, nem os meses, nem mesmo os dias da semana. Parece-me, no entanto, que deveu ser na Primavera de 1916 que o Anjo nos apareceu a primeira vez na nossa Loca do Cabeço... subimos a encosta em procura dum abrigo e como foi, depois de aí merendar e rezar, que começamos a ver, a alguma distância, sobre as árvores que se estendiam em direção ao Nascente, uma luz mais branca que a neve, com a forma dum jovem, transparente, mais brilhante que um cristal atravessado pelos raios do Sol. À medida que se aproximava, íamos lhe distinguindo as feições. Estávamos surpreendidos e meios absortos. Não dizíamos palavra.

 

Ao chegar junto de nós, disse:

 

– Não temais. Sou o Anjo da Paz. Orai comigo.

 

E ajoelhando em terra, curvou a fronte até ao chão. Levados por um movimento sobrenatural imitamo-lo e repetimos as palavras que lhe ouvimos pronunciar:

 

– Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço-Vos perdão para os que não creem, não adoram, não esperam e não Vos amam.

 

Depois de repetir isto três vezes, ergueu-se e disse:

 

– Orai assim. Os Corações de Jesus e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas.

 

E desapareceu.

A atmosfera do sobrenatural que nos envolveu era tão intensa, que quase não nos dávamos conta da própria existência, por um grande espaço de tempo, permanecendo na posição em

que nos tinha deixado, repetindo sempre a mesma oração.

A presença de Deus sentia-se tão intensa e íntima que nem mesmo entre nós nos atrevíamos a falar.’ 

 

2ª Aparição do anjo.

 

 ‘A segunda deveu ser no pino do Verão, (junho) nesses dias de maior calor, em que íamos com (os) rebanhos para casa, no meio da manhã, para os tornar a abrir só à tardinha. Fomos, pois passar as horas da sesta à sombra das árvores que cercavam o poço já várias vezes mencionado.(Nota do site: um poço que os pais de Lúcia tinham no quintal.)


O poço da casa de Lúcia.

 

De repente, vimos o mesmo Anjo junto de nós.

 

– Que fazeis? Orai! Orai muito! Os Corações de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios.

 

– Como nos havemos de sacrificar? – perguntei.

 

– De tudo que puderdes, oferecei um sacrifício em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores. Atraí, assim, sobre a vossa Pátria, a paz. Eu sou o Anjo da sua guarda, o Anjo de Portugal.

Sobretudo, aceitai e suportai com submissão o sofrimento que o Senhor vos enviar.

 

Estas palavras do Anjo gravaram-se em nosso espírito, como uma luz que nos fazia compreender quem era Deus, como nos amava e queria ser amado; o valor do sacrifício, e como o sacrifício Lhe era agradável, como por atenção ao sacrifício oferecido, convertia os pecadores.

Por isso, desde esse momento, começamos a oferecer ao Senhor tudo que nos mortificava, mas sem discorrermos a procurar outras mortificações ou penitências, exceto a de passarmos horas seguidas prostrados por terra, repetindo a oração que o Anjo nos tinha ensinado. 

  

3ª Aparição do anjo.

 

A terceira aparição parece-me que deveu ser em Outubro (1916) ou fins de Setembro, porque já não íamos passar as horas da sesta a casa. Passamos da Prégueira (é um pequeno olival pertencente a meus pais) para a Lapa, dando a volta à encosta do monte pelo lado de Aljustrel e Casa Velha.

Logo que aí chegamos, de joelhos, com os rostos em terra, começamos a repetir a oração do Anjo, que na primeira aparição ele nos tinha ensinado, quando vemos que sobre nós brilha uma luz desconhecida. Erguemo-nos para ver o que se passava.


Monumento da autoria de Maria Amélia Carvalheira da Silva, erigido na Loca do Cabeço, local da sua 1.ª e 3.ª aparição aos três pastorinhos.

 

Estando, pois, aí, apareceu-nos pela terceira vez, trazendo na mão esquerda um cálice sobre o qual está suspensa uma hóstia da qual caem algumas gotas de sangue. Deixando o cálice e a Hóstia suspensos no ar, prostrou-se em terra e repetiu três vezes a oração:

 

– Santíssima Trindade, Padre, Filho, Espírito Santo, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos do Seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores.

 

Depois, levantando-se, tomou de novo na mão o cálice e a Hóstia e deu-me a Hóstia a mim e o que continha o cálice deu-o a beber à Jacinta e ao Francisco, dizendo, ao mesmo tempo:

 

– Tomai e bebei o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo horrivelmente ultrajado pelos homens ingratos. Reparai os seus crimes e consolai o vosso Deus.

 

De novo se prostrou em terra e repetiu conosco mais três vezes a mesma oração:

 

– Santíssima Trindade... etc.

 

E desapareceu.

Levados pela força do sobrenatural que nos envolvia, imitávamos o Anjo em tudo, isto é, prostrando-nos como Ele e repetindo as orações que Ele dizia. A força da presença de Deus era tão intensa que nos absorvia e aniquilava quase por completo. Parecia privar-nos até do uso dos sentidos corporais por um grande espaço de tempo.

Nesses dias, fazíamos as ações materiais como que levados por esse mesmo ser sobrenatural que a isso nos impelia. A paz e felicidade que sentíamos era grande, mas só íntima, completamente concentrada a alma em Deus. O abatimento físico, que nos prostrava, também era grande.’ 

 

Na terceira aparição, a presença do sobrenatural foi ainda muitíssimo mais intensa. Por vários dias, nem mesmo o Francisco se atrevia a falar. Dizia depois:

Gosto muito de ver o Anjo; mas o pior é que, depois, não somos capazes de nada. Eu nem andar podia, não sei o que tinha! Apesar de tudo, foi ele quem se deu conta, depois da terceira aparição do Anjo, das proximidades da noite. Foi quem disso nos advertiu e quem pensou em conduzir o rebanho para casa. 

Passados os primeiros dias e recuperado o estado normal, perguntou o Francisco:

O Anjo, a ti, deu-te a Sagrada Comunhão; mas a mim e à Jacinta, que foi o que Ele nos deu?

Foi também a Sagrada Comunhão? – respondeu a Jacinta, numa felicidade indizível. – Não vês que era o Sangue que caía da Hóstia?

Eu sentia que Deus estava em mim, mas não sabia como era! E prostrando-se por terra, permaneceu por largo tempo, com a sua Irmã, repetindo a oração do Anjo: Santíssima Trindade..., etc.

 

 

Fontes:

Bibliografia consultada: Fátima – Mundo de Esperança, Volume Comemorativo do Cinquentenário das Aparições de Fátima, Editora Verbo, 1967. 

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